Por José Paulo Schneider

O segundo olhar de hoje recairá sobre o projeto de lei n. 1904/24, que, por meio de alterações no Código Penal, busca equiparar o aborto realizado após 22ª semana de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive em casos de gravidez resultante de estupro:
Isto é, se o aborto for praticado após a 22ª semana, a pena será de 6 a 20 anos, o que valerá para a mãe, que provocar ou consentir com o aborto, e qualquer pessoa que o pratique.
Ao partir da premissa de que há viabilidade fetal presumida após a 22ª semana, o legislador acaba por conferir um critério quase matemático a um problema de saúde e segurança pública extremamente complexo.
Conclui-se do projeto que a presunção de vida após a 22ª semana de gravidez possui maior relevância jurídica do que o ato gerador dela. Quer dizer, o aborto cometido pela vítima de estupro é mais grave do que o próprio crime por ela suportado, que é punido com penas de 6 a 10 anos e 8 a 15 anos, se a vítima for menor de 14 anos ou vulnerável.
É óbvia a inconstitucionalidade do PL 1904/2024. Isso porque a Constituição da República, além de assegurar o direito à vida, determina o respeito à liberdade, à dignidade, à saúde e à segurança, garantindo que ninguém seja submetido a tortura, tratamento desumano ou degradante.
Há algo mais desumano do que obrigar uma vítima a manter um filho fruto de um dos mais perversos crimes? O fato de a gravidez, seja por qual circunstância for, ter ultrapassado a 22ª semana apaga a tortura que é ter que carregar em seu ventre e dar à luz uma vida que lhe lembrará diariamente do abuso sofrido? E se a vítima estuprada, por vergonha e medo, não contar a ninguém, sendo a gravidez descoberta somente após a 22ª semana? Ela precisa de punição ou acolhimento?
Ao defender um projeto tão cruel, não se está defendendo a vida. Defender a vida, ser contra o aborto, ser conservador, tudo isso é legítimo. Algo bem diferente é pretender-se a punição da vítima de estupro com penas superiores às previstas ao agressor. A vida que a vítima carrega não foi consentida. Obrigá-la a manter a gravidez, nestas condições, é o mesmo que matá-la em vida. É terminar de destruir o que sobrou de um corpo violado e de um psicológico devastado.
Não importa sua religião ou lado político, ser favorável ao PL 1904/2024, é concordar com a barbárie, com a tortura do gênero feminino. Deixemos o cárcere para quem comete crimes. Às vítimas de crimes sexuais, mulheres e crianças, reservemos o apoio e acolhimento estatal.
Comments